sábado, 16 de setembro de 2017

O fosso crescente entre a Teologia e a Moralidade

Por Behrooz Sabet.


Ao longo da história humana, discutimos sobre a religião. Os ensinamentos Bahá’ís dizem que esse tipo de discórdia deve parar.

Bahá’u’lláh - o profeta e fundador da Fé Bahá’í - proclama que os diferentes entendimentos sobre o estatuto de um profeta são permitidos, desde que não se tornem a causa de desavenças e discórdia entre as pessoas que os defendem.

Os Bahá’ís acreditam que as crenças teológicas não devem ser motivo de querelas e conflitos entre a população. Bahá’u’lláh identifica inequivocamente a natureza e propósito da religião nestas palavras:
Ó filhos dos homens! O propósito fundamental que anima a Fé de Deus e a Sua Religião é a salvaguarda dos interesses e a promoção da unidade da raça humana, o fomentar do espírito de amor e camaradagem entre os homens. Não padeçam tornando-a uma fonte de dissensão e discórdia, de ódio e inimizade. É este o Caminho recto, o alicerce fixo e imóvel. (SEB, CX)
Além disso, as escrituras Bahá'ís afirmam que a existência de discórdia social é um sinal claro de que a religião se desligou da sua base espiritual e que, metaforicamente, Deus ocultou o Seu rosto das pessoas que usam a religião para promover a hostilidade e a intolerância entre a humanidade. Consequentemente, a sociedade, que é a arena de actuação da religião, perde o seu sentido de transcendência e degenera numa grande escala de hipocrisia nas mãos dos seus eclesiásticos.

Poder-se-ia dizer que Bahá’u’lláh, com o Seu mandamento de não lutar por motivos religiosos, avança uma ideia crítica - a ideia de que os conflitos teológicos entre o clero não resultam necessariamente numa ética prática da boa vontade. Sabendo como no passado, as diferenças teológicas causaram conflitos e derramamento de sangue, Bahá’u’lláh recusa-Se a promover qualquer fundamentalismo teológico. Em vez disso, Ele apresenta uma cultura de paz baseada em princípios morais que nos orientam sobre como lidar com outras pessoas.

A religião é amparada espiritualmente pela sua ligação a Deus, a Realidade Última. No entanto, ela opera no mundo, entre as pessoas e nas suas relações sociais. Quando a vontade de Deus é revelada ao mundo, encontra expressões relativas e finitas na mente das pessoas. A revelação, portanto, torna-se uma experiência individual, assim como uma realidade social.

Por exemplo, na noite de 22 de Maio de 1844, quando o Báb Se revelou a Mulla Husayn - a primeira pessoa a receber e abraçar a causa Bábi - essa revelação atingiu Mulla Husayn como um raio que entorpeceu as suas faculdades e, em última análise, deu-lhe força e transfigurou-o. No entanto, na sua totalidade, essa experiência permaneceu individual. Naquela noite, Mulla Husayn não alcançou o total conhecimento de Deus, mas teve uma experiência espiritual pessoal - um encontro que o obrigou a interagir com a sociedade e a envolver-se num processo de mudança social revolucionária.

O encontro da humanidade com a palavra de Deus funciona da mesma maneira. Podemos estabelecer uma ligação com a realidade espiritual última, mas o verdadeiro desafio do progresso espiritual significa traduzir essa ligação na dinâmica da civilização e do progresso social. Bahá’u’lláh ensina-nos que a força de sustentação da evolução social é a moralidade, o centro em torno do qual se desenvolvem os círculos concêntricos da realidade social. Neste contexto, o conceito de espiritualidade está entrelaçado com a responsabilidade do individuo levar avante uma civilização em constante progresso.

Para os Bahá’ís, até o mais esotérico conceito de salvação pessoal se desenvolve no contexto dos contributos individuais para uma civilização mundial. O conceito de virtudes espirituais interiores - como a coragem, a honra, a veracidade e a lealdade - representa a fusão entre as acções individuais e a dinâmica da humanidade como um todo. Essas virtudes, de acordo com os ensinamentos Bahá’ís, encaminham-nos para uma civilização global, na medida em que promovem o princípio fundamental da unicidade da humanidade.

Assim, os ensinamentos Bahá’ís, como todas as outras religiões, enfatizam a moralidade, mas em dimensões muito maiores do que apenas as pessoais. Os ensinamentos Bahá’ís constituem um quadro conceptual que relaciona a moral e a religião com os processos orgânicos da expansão da civilização.

Por exemplo, desde o início da história da humanidade, as pessoas organizaram-se em unidades familiares, posteriormente conseguiu-se a solidariedade tribal, depois evoluiu-se para a constituição das cidades-estado, para a construção de nações independentes e soberanas, e agora, para o extraordinário empreendimento de construção um mundo unido e pacífico. Neste vasto processo histórico, podemos detectar várias expressões de ordem moral, que revelam a luta moral da humanidade para superar divisão e conflito, e conseguir a verdadeira universalidade.

Bahá’u’lláh traçou um paralelismo estrutural entre o ritmo evolutivo da ordem moral e a era da maturidade colectiva da raça humana - a emancipação da humanidade à medida que alcança o seu destino final de se tornar exteriormente e interiormente unida.

Este nível de unidade global exemplifica a moralidade autêntica. No entanto, historicamente, na ausência de moral autêntica, falsas justificações têm sido usadas para alcançar o poder ou para tornar a decadência apetecível - e essa falsa moralidade muitas vezes tornou-se uma crença cultural partilhada ou a filosofia política de várias sociedades.

Bahá’u’lláh apresentou o conceito de moralidade autêntica como um modelo para a unidade - e libertar a civilização emergente do alheamento e do afastamento. Este ensinamento Bahá’í elimina qualquer base teológica para a justificação moral do conflito.

Essa autenticidade moral dá à religião uma unidade de propósito ao invés de desavença doutrinária - a própria causa de desunião e divisão na religião. Ao longo da história, os clérigos alegaram ter o exclusivo da compreensão do conhecimento divino e, portanto, a legitimidade moral para governar. Bahá’u’lláh considerou essa reivindicação como potencialmente opressiva, provocando posteriormente a violência sectária. Ao longo do Seu ministério, Bahá’u’lláh anulou a prática xiita do taqlid, ou imitação de clérigos, e revogou a guerra santa. Aboliu a instituição do sacerdócio e encorajou a investigação independente da verdade. Em vez do taqlid, Bahá’u’lláh enfatizou o poder da auto-reflexão e do consenso racional.

 Actualmente, a humanidade está envolvida numa disputa entre a consciência da ética global e uma catástrofe geopolítica; mas a ética global não pode sobreviver apenas com boas intenções. As instituições legítimas - como as criadas para a segurança colectiva e a aplicação do direito internacional - são primordiais para contrariar os interesses particulares e a selvajaria brutal que se escondem sob o verniz da nossa civilização. Ao mesmo tempo, o ressurgimento de ortodoxias fanáticas que promovem a intolerância religiosa e a tirania ameaçam directamente a segurança internacional e a paz da raça humana. E porque este fanatismo religioso está actualmente em ascensão, alimentando o conflito global, o mundo está numa encruzilhada: o fim da fé religiosa ou um apelo a um novo modelo de fé e ética global?

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Texto original: The Widening Breach Between Theology and Morality (www.bahaiteachings.org)

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Behrooz Sabet é professor universitário, doutorado pela State University de Nova Iorque, em Buffalo. Durante mais de 20 anos fez estudos e investigações sobre os cruzamentos entre religião, ciência e cultura no Médio Oriente. É um estudioso de religião, movimentos e pensamento político contemporâneo no Irão. Traduziu e escreveu muito sobre religião, ética, educação, filosofia e temas sociais.

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