sábado, 4 de março de 2017

Pode alguma Religião ter o Exclusivo da Verdade?

Por David Langness.


Muitas e diversificadas instituições religiosas afirmam ter acesso exclusivo à verdade - como podem estar todas certas?

Quando eu era criança - cresci numa denominação protestante que proclamava a sua verdade cristã exclusiva - fiz essa mesma pergunta. Quando o meu ministro Luterano disse que somente os Luteranos possuíam o verdadeiro e autêntico entendimento de Cristo e um amigo meu católico me disse que o padre lhe tinha dito exactamente a mesma coisa sobre a Igreja Católica, isso deixou-me ainda mais confuso. Então, perguntei ao meu ministro: "Porque é que a nossa religião diz que está certa e todas as outras religiões estão erradas?" Eu apenas não conseguia entender como aquilo podia fazer algum sentido.

O meu ministro levou-me para um local à parte e contou-me uma história longa e complicada sobre o papado e a corrupção da Igreja na Idade Média e o seu afastamento dos verdadeiros ensinamentos de Cristo e do aparecimento de Martinho Lutero; percebi algumas coisas mas não percebi a maioria do que ele disse (eu só tinha 8 anos!) Basicamente, entendi a essência do seu argumento: "Nós estamos certos e os outros estão todos errados." Isso não parecia possível; mas, sendo criança, esforcei-me para tentar aceitar isso.

Quando voltei a encontrar o meu amigo católico, contei-lhe o que o meu ministro tinha dito. Escusado será dizer que ele não aceitou muito bem. Na verdade, ele tentou bater-me e deixamos de ser amigos naquele dia.

Sem o saber, naquela tenra idade, eu tinha tropeçado na raiz causadora da maioria de desavenças, conflitos e guerras religiosas: as pretensões ao exclusivismo da verdade. À medida que crescia, comecei a ver esse mesmo exclusivismo a manifestar-se em todos os tipos de fronteiras religiosas e entre quase todas as seitas, denominações e religiões que eu encontrava. Isso levou-me a antipatizar activamente com a religião, porque via como aquelas pretensões de verdade exclusiva criavam divisões entre as pessoas e hostilidades entre elas.

Depois, quando era adolescente, decidi ver se conseguia encontrar uma fé que não tivesse pretensões ao exclusivismo da verdade. Perguntei-me se existiria um tal sistema de crenças, mas estava determinado a procurar.

Gastei um pouco de tempo e energia a investigar o Budismo Zen, o Hinduísmo e muitas outras religiões orientais. Pareciam ter maior compreensão e tolerância para com outras religiões, mas quando chegava ao fundo da questão até mesmo os budistas e hindus reivindicavam alguma exclusividade. "Se alguém não segue o Caminho Óctuplo de Buda", disse-me um amigo budista, "ele irá repetir o ciclo de sofrimento infinitamente."

Foquei-me no Judaísmo e conheci almas maravilhosas; mas aquele ensinamento do "povo eleito de Deus" parecia bastante exclusivista. Estudei o Islão, mas as mesquitas que visitei também me pareceram exclusivistas, especialmente com a sua ênfase no "povo do livro", o que significava que o Islão só reconhecia as religiões abraâmicas.

Depois, procurei algumas igrejas cristãs mais liberais, como os Unitários-Universalistas, e descobri que a maioria delas não tinha pretensões de exclusividade. Isso parecia promissor. A maioria dos Unitaristas que conheci tinha uma compreensão ampla e ecuménica da fé; mas as igrejas que eu frequentava também pareciam aceitar qualquer coisa que alguém quisesse acreditar, e isso também não me pareceu satisfatório. Eu queria uma religião verdadeira.

Também percebi gradualmente que muitas dessas denominações não tinham muita diversidade. Elas pareciam atrair os mesmos tipos e classes de pessoas, o que me frustrava - eu queria encontrar uma Fé que recebesse toda a gente, que não tivesse reivindicações exclusivas, nem políticas exclusivas de adesão.

Assim, após vários anos nessa busca contínua pela inclusão, decidi que iria praticar as minhas próprias crenças pessoais como eu achasse conveniente, aceitando os belos ensinamentos espirituais de todas as tradições que eu tinha encontrado e rejeitando aqueles que não gostava. Por fim, esse caminho também não me satisfazia muito, porque não oferecia nenhuma comunidade, nenhum encontro, nenhuma unidade. Descobri que nós, seres humanos, podemos ter as nossas próprias crenças individuais; mas a menos que possamos reunir-nos em grupo, essas religiões solitárias e individuais jamais poderiam realizar muito ou inspirar muito.

Entretanto, enquanto estudava e tentava entender todas essas tradições, algo surgiu gradualmente em mim. As afirmações de verdade de todas essas diferentes religiões, conforme as examinei de perto, revelaram-se pequenas variações de verdades maiores e mais universais. Quanto mais olhava, mais encontrava semelhanças e paralelismos entre todas as tradições de fé. Parecia haver um conjunto comum de princípios e um fio comum de verdade espiritual em cada uma das religiões que eu tinha investigado. Claro, que as suas práticas e rituais diferiram, mas no seu núcleo encontrei algumas das mesmas verdades. Rapidamente, percebi que essa percepção não era apenas minha, e que muitas pessoas já a tinham descoberto. Chamava-se perenialismo: reconhece a comunhão e a convergência de todos os verdadeiros ensinamentos espirituais e tradições.

Nesse momento encontrei a Fé Baha'i, e descobri o que procurava:
... "Há tantos caminhos para Deus quanto o número de Suas criaturas!"

Um professor deve conhecer estas estradas e esforçar-se para entrar em contacto compreensivo com os peregrinos cansados que se esforçam ao longo de cada estrada, e pouco a pouco ensinar-lhes que aquilo a que eles chamam estrada não é uma estrada, mas um caminho duro e inexplorado que conduz às selvas, aos desertos e aos precipícios. Quando estiverem preparados, ele poderá então gritar em voz alta: "Ó homens! Apareceu a Estrada do Senhor dos Exércitos. A Grande Avenida do Reino de Deus está pavimentada. Vejam! Observem!"

Há muitas pessoas que abandonaram os seus caminhos e estão a caminhar ao longo desta Via Celestial.

Vocês não os vêem? Não estão a aprender com o exemplo deles? Abram os olhos! Vejam! Vejam! Quantas comitivas de pessoas de tantas nacionalidades se aglomeram no Caminho Dourado do Reino!

Eles marcham sem parar, e a cada passo aproximam-se do objectivo. O seu caminho está cheio de lírios de amor e os jacintos de afecto... e nos seus lábios há cânticos de acção de graças e os hinos de glorificação. Escutem! Escutem! Agora eles estão a cantar suavemente, murmuram harmoniosamente e em breve vão erguer as suas vozes, entusiasmadas e inspiradas com regozijo e felicidade. Não será melhor para ti, meu irmão, minha irmã, abandonar esse teu cominho estreito onde crescem espinhos de dogmas e ervas daninhas de crenças, e caminhar sobre este Caminho largo e brilhantemente iluminado do Reino? Aqui desfrutareis a companhia de homens e mulheres espirituais que deram tudo para servir o seu Deus e o mundo da humanidade. Este momento de ouro está a terminar; esta oportunidade divina está a passar. Aproveitem! (‘Abdu'l-Bahá, Star of the West, Volume 4, p. 141)
Soube que a Fé Bahá'í não reivindica exclusividade. Em vez disso, ensina que todas as religiões vêm da mesma fonte e reflectem as mesmas verdades espirituais essenciais. Tinha encontrado o meu lar.

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Texto original: Can Any Religion Claim the Exclusive Truth? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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