sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O que fazer com uma religião tóxica?

Por David Langness.



Gosto dos ateus. E dos agnósticos também.

Isto pode parecer um pouco estranho, vindo de alguém que escreve todos os dias sobre a Fé Bahá'í. Tenham paciência comigo por um minuto, e eu explico.

Primeiro que tudo, aqueles que questionam a existência de Deus sempre me pareceram bastante inteligentes, pelo menos para mim. Geralmente, eles são os independentes que não aceitam cegamente uma tradição, ou acreditam ingenuamente sem uma análise cuidadosa, ou irreflectidamente tornam-se membros de um grupo apenas para serem membros.

Em segundo lugar, eu entendo que as pessoas se questionem sobre o conceito místico de um Ser Supremo. Eu também o faço, constantemente. Esse mistério - um Criador invisível, amoroso, criativo, omnipotente e omnisciente - é realmente difícil de entender. Não tenho a pretensão de entender plenamente o que as escrituras bahá'ís dizem sobre Deus:
Deus na Sua essência e no Seu próprio Ser sempre tem sido invisível, inacessível e incognoscível. (Bahá'u'lláh, Epistle to the Son of the Wolf, p. 118)
Em terceiro lugar, pela minha experiência, vejo que ateus e agnósticos pensam mais em Deus do que a maioria das pessoas. Eu sei: isto é um enigma; mas é verdade. Mas porque eles gastaram algum tempo a avaliar as provas e os argumentos, eles realmente fizeram uma busca espiritual, e decidiram por si próprios, o que eu acho notável. O escritor Terry Pratchett afirmou que o ateísmo e a crença têm muito em comum:
Na verdade, um verdadeiro ateu pensa constantemente nos deuses, embora em termos de negação. Por isso, o ateísmo é uma forma de crença. Se o ateu realmente não acreditasse, então não se incomodaria a negar. (Feet of Clay)
Por isso, entendo quando os cépticos, especialmente o grupo de filósofos e escritores chamados os novos ateus, dizem que a religião é tóxica e merece ser abandonada. No caso de o leitor não estar familiarizado com este grupo de pensadores, aqui ficam uns exemplos:
Christopher Hitchens

  • O problema da religião é que, porque sempre esteve protegido da crítica, ela permite que as pessoas acreditem em massa naquilo que só os idiotas ou lunáticos podia acreditar isoladamente. (Sam Harris)
  • O que se pode afirmar sem provas, pode ser rejeitado sem provas. (Christopher Hitchens)
  • A única posição que me deixa sem dissonância cognitiva é o ateísmo. (Ayaan Hirsi Ali)
  • Não posso saber com certeza, mas acho que Deus é muito improvável, e eu vivo minha vida no pressuposto de que ele não existe. (Richard Dawkins)
  • Ninguém começa a publicitar todo o bem que a sua religião faz sem antes subtrair escrupulosamente todo o mal que faz e considerar seriamente se alguma outra religião, ou nenhuma religião, faz melhor. (Daniel Dennett)

Pode ser surpreendente saber que os ensinamentos Bahá’ís apoiam de forma significativa as ideias importantes que alguns desses pensadores ateus defendem - e fê-lo com cem anos de antecedência.

Os Bahá’ís acreditam nas provas e na ciência; aceitam e incentivam a investigação; valorizam o intelecto humano e estimulam a sua educação; não têm clero, nem dogma; tentam erradicar a superstição e irracionalidade; e, tal como Daniel Dennett, acredito que nenhuma religião é vantajosa se se torna fonte de mal:
A religião deve unir todos os corações e fazer com que as guerras e disputas desapareçam da face da terra, dar origem à espiritualidade e trazer vida e luz a cada coração. Se a religião se torna uma fonte de aversão, ódio e divisão, será melhor ficar sem ela, e afastarmo-nos de tal religião seria um acto verdadeiramente religioso. É claro que o propósito de um remédio é curar; mas se o remédio apenas agrava as doenças, seria melhor deixá-lo. Qualquer religião que não é uma causa de amor e unidade, não é religião. Todos os santos profetas foram os médicos para a alma; eles deram as receitas para a cura da humanidade; assim qualquer remédio que é causador de doença não vem do grande e supremo Médico. (‘Abdu'l-Bahá, Paris Talks, p. 129)
Essa é uma das ideias Bahá'ís para pôr fim aos conflitos religiosos:

Se a sua Fé provoca ódio e carnificinas,
então procure um caminho mais pacífico.

Parece radical? Do ponto de vista Bahá'í, não é. Os ensinamentos bahá'ís ver a religião como um meio para atingir o amor e a unidade, como um caminho para a paz e unidade global, e não como um fim em si mesmo:
Um remédio é usado para curar uma doença; mas se ele só consegue agravar a doença, é melhor deixá-lo sozinho. Se a religião é apenas serve para causar da desunião, é melhor não exista. (‘Abdu'l-Baha, Paris Talks, p. 122)

A religião de Deus é a causa do amor; mas se a tornarem fonte de inimizade e derramamento de sangue, com certeza a sua ausência é preferível à sua existência; pois assim, torna-se satânica, prejudicial e um obstáculo para o mundo humano. (‘Abdu'l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, p. 202)

Imitações cegas e hábitos dogmáticos são conducentes à alienação e desacordo; estes levam à carnificina e à destruição das bases da humanidade. Portanto, os religiosos do mundo devem deixar pôr de lado essas imitações e investigar a base essencial ou a própria realidade, que não está sujeita a mudanças ou transformação. Este é o meio divino para a concórdia e unificação. (‘Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 339)
Os Baha'is acreditam que a religião é o que a religião deve ser, que as acções são mais importantes do que as palavras, e que a verdadeira fé significa, na verdade, colocar os ideais espirituais em prática, tanto no plano individual como social.

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Texto original: Dealing with Toxic Religion (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.